Entrevista com a audiodescritora Rosa Matsushita (sobre livros didáticos)

15350622_10206314763823014_5708422614573339394_n1) As imagens didáticas da química são complexas? Por quê?

Algumas imagens estáticas, principalmente em livros didáticos de Química, Física ou Biologia, são extremamente complexas para quem não é da área.

Fazer a leitura destas imagens exige conhecimento, estudo e muita pesquisa. É como a tradução de uma língua, que possui diversas gírias, jargões, que só entendemos se “convivermos” com aquela linguagem. Com essas matérias é a mesma coisa. Por exemplo, é preciso viver no mundo da Química para podermos fazer a tradução correta dela. Portanto, a áudio-descrição de imagens de Química é complexa sim, mas para as pessoas leigas. Acredito que um profissional da Química, desde que também seja profissional da áudio-descrição, pode trabalhar tranquilamente com essas imagens.

2) E consultores de química que avaliem os roteiros das imagens estáticas dos livros didáticos de química existem? São muitos?

Eu costumo dizer que não basta ser cego para ser consultor. O consultor precisa estudar a áudio-descrição, da mesma forma que um roteirista ou um locutor/narrador. Já não há muitos consultores especializados em áudio-descrição no Brasil e, por esse motivo, acredito também que não deve haver muitos consultores com condições de validar um roteiro de imagens estáticas em livros de Química, Física ou Biologia. É preciso formarmos esses consultores, assim como os roteiristas.

Obs: Até há pouco tempo, os consultores estavam sendo formados juntamente com os normovisuais. Todos os cursos, levantando a bandeira da inclusão, fazem com que as pessoas com deficiência visual frequentem o mesmo curso que os normovisuais. No ano de 2016, eu resolvi dar cursos separados e diferenciados; e depois juntei as turmas. Fui um pouco criticada por isso, mas percebi que isso funciona melhor. Fiz isso em Blumenau no mês de março e o resultado foi muito bom!

3) Comente as maiores dificuldades dessa “indústria editorial? E como é a relação com o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)?

O problema maior são os prazos. São muitos livros para serem áudio-descritos num curto espaço de tempo.

4) Você acha que existe aprofundamento e preocupação com a qualidade teórica e do processo epistemológico quanto o que o aluno vai entender de cada imagem?

A preocupação existe, mas eu acredito que ainda não temos profissionais preparados para atender o mercado.

5) Quais sugestões você teria para que isso tudo melhorasse?

Essa pergunta é muito difícil de responder. Existe um ciclo desde a aprovação do livro didático pelo MEC até a entrega da áudio-descrição, que passa por muitas etapas. Todas com prazos muito curtos. Seria necessário que a ponta de lá pudesse aumentar esses prazos, para que a ponta de cá pudesse trabalhar com mais cuidado e, assim, entregar um material com maior qualidade. E, também, que haja uma fiscalização para que isso seja cumprido.

6) Dizem que o PNLD 2018 será em epub para os alunos deficientes visuais, você acha que isso resolveria os problemas da divulgação dos livros didáticos e o acesso, pois o MECDAISY não é de fato utilizado?

Não tenho como afirmar nada nesse sentido, pois tudo é muito novo. Estamos todos tentando acertar… e o caminho é longo! O Epub está chegando para incluir as pessoas, não importando a deficiência. É um projeto imenso que, lógico, no início terá seus problemas. Ainda é um pouco cedo para julgar.

7) Você acredita que a áudio-descrição facilita o conhecimento do deficiente visual?

A áudio-descrição traz benefícios para as pessoas com dislexia, autismo, déficit de atenção, deficiência visual ou intelectual. Eu acredito que a áudio-descrição é essencial para todos, não só para o conhecimento, mas para o entretenimento, para o entendimento e para poderem viver com autonomia e independência.

Fiz a AD de um casamento na semana passada. Foi engraçado ouvir o relato de pessoas que enxergam, de que elas não viram os detalhes do casamento, porque estavam sentadas no fundo e que deveriam ter usado os fones para ouvir a áudio-descrição. Eram normovisuais que não foram incluídos, porque apesar de terem acesso à AD, não a conheciam… Dá para entender a dimensão da áudio-descrição, que não é só para cegos? Da mesma forma, ouvir o depoimento da noiva cega, dizendo que pode retribuir aos olhares do noivo normovisual na hora da cerimônia… isso era uma coisa impensável antes da áudio-descrição.

A áudio-descrição veio para devolver a vida normal para as pessoas cegas, mas isso somente acontecerá se ela for realizada de forma empoderativa, com respeito ao poder cognitivo delas.


Rosa Matsushita é jornalista e audiodescritora especializada em tradução de imagens estáticas e dinâmicas em diversas mídias, como filmes, livros didáticos e paradidáticos, teatro, seminários, shows, missas, museus, exposições, fotos e casamentos.

Um comentário em “Entrevista com a audiodescritora Rosa Matsushita (sobre livros didáticos)”

  1. Republicou isso em Pesquisas de Químicae comentado:
    A querida Rosa Matsushita, gentilmente me concedeu uma pequena entrevista sobre as dificuldades atravessadas pelos audiodescritores ao realizar o trabalho com a edição dos roteiros das áudio-descrições dos livros didáticos. Confira no blog e comente!
    Entrevista com a audiodescritora Rosa Matsushita (sobre livros didáticos)

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